ed. 24 - matéria de capa

Glaucia Savin






Espiritismo e Ecologia

Você pode estar se perguntando: mas o que o espiritismo tem a ver com a ecologia? Tem muito. Aliás, tem tudo a ver.
A visão ecológica, ou seja, a compreensão de que vivemos em um ambiente onde todas as espécies de vida se relacionam, interferindo umas com as outras e com o ambiente onde estão inseridas, não é recente. No Brasil, as discussões sobre o meio ambiente se difundiram após o advento da Rio-92, quando se popularizaram os conceitos de “desenvolvimento sustentável”, “economia verde”, “reciclagem”, “impacto ambientais”, etc.
A compreensão interdisciplinar do meio ambiente, visto como um sistema onde interagem, de forma contínua, o clima, a geologia, os seres vivos de todas as espécies, o ar que respiramos, a água, o solo, nos faz perceber que a Terra que habitamos é como um “organismo vivo”. Tudo o que fazemos repercute em relação ao todo, de forma mais ou menos intensa, gerando impactos positivos ou negativos para a vida dos demais seres. A compreensão sistêmica do universo foi muito bem abordada pelo físico Fritjov Capra, em sua obra A Teia da Vida, cuja leitura recomendo.
A consciência sobre o nosso papel diante do meio em que vivemos nos impõe a adoção de um comportamento ético em relação a todas as formas de vida e aos recursos naturais. Não me refiro a atitudes heroicas, nem mesmo  de estagnação, que seriam incompatíveis com o desenvolvimento e a necessidade de progresso das sociedades e culturas, mas de equilíbrio entre os recursos que utilizamos e a capacidade do meio ambiente em reproduzi-los, na escala necessária para manutenção da vida.
O espiritismo se funda na noção de desenvolvimento do espírito, criado simples e ignorante, porém destinado à perfeição. De que perfeição se trata?  Obviamente da perfeição moral. É importante lembrarmos que na elaboração do Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec concentrou-se apenas nos ensinamentos morais de Cristo e, ainda, dedicou no Livro dos Espíritos, todo um capítulo ao estudo das Leis Morais. Não se chega ao aperfeiçoamento espiritual sem o burilamento moral, sem a incorporação de padrões éticos de comportamento em nossa vida; sem a interiorização de escolhas morais superiores, aptas a comandar as nossas ações.
Dentre as leis morais elencadas por Kardec, encontramos as Leis de Conservação e Destruição. Embora possam parecer antagônica, estas leis se relacionam com o ciclo de vida de todos os mundos que integram a Criação. Os espíritos nos ensinam que a Lei de Conservação nos impele à nossa própria preservação e à manutenção das condições de vida necessárias à nossa sobrevivência, enquanto a Lei de Destruição traz a renovação necessária aos sistemas já consumidos e desgastados para que estes sejam capazes de, novamente, gerar a vida.
Como espíritos, nossa tarefa é trabalhar pela conservação dos sistemas que nos acolhem, para que possamos usufruir das condições necessárias ao nosso desenvolvimento, bem como da sociedade em que estamos inseridos. Quando colocamos em risco as condições necessárias à vida, estamos reduzindo as possibilidades de desenvolvimento de nossa geração e empobrecendo as expectativas das gerações vindouras, assim como prejudicando a sobrevivência de outras formas de vida, que também buscam por seu desenvolvimento.
Vale lembrar que na pergunta 705 de O Livro dos Espíritos, ao questionar a espiritualidade “por quem nem sempre a terra produz bastante para fornecer ao homem o necessário?”, Kardec recebe uma resposta definitiva: “é que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no entanto, é excelente mãe. Muitas vezes, também, ele acusa a Natureza do que só é resultado da sua imperícia ou da sua imprevidência. A terra produziria sempre o necessário soubesse o homem contentar-se”.
A resposta dos espíritos a Kardec reveste-se de incrível atualidade.
Vivemos sob a ameaça de cataclismo global decorrentes do aquecimento global, que vem acarretando mudanças drásticas nos ciclos da natureza. Assistimos, estarrecidos, ao aumento da temperatura dos oceanos, com a destruição de várias formas de vida; ao derretimento das calotas polares; à elevação dos níveis dos oceanos, com a possibilidade de desaparecimento de áreas ocupadas por populações que vivem à beira-mar e, mais recentemente, com a nuvem de poluição que sufoca a cidade a cidade de Beijing.
Há quem não acredite nos efeitos danosos que podem ser provocados pelo aquecimento de 4ºC a 5ºC na temperatura global. Para os céticos, recomendo a revisão do evento de aquecimento global, muito semelhante ao atual, que se iniciou por volta de 250 milhões de anos atrás, no final do período Cambriano e que deu origem à extinção de várias formas de vida animais e vegetais, incapazes de se adaptar à elevação das temperaturas. A vida somente ressurgiu na Zona do Equador e nos trópicos após um período estimado em 5 milhões de anos.
Para aqueles que acham que não podem fazer nada em relação às questões ambientais, lembro que todos nós, seres vivos, produzimos impactos. Todo o lixo que geramos (em quantidade impressionantes), todos os recursos que utilizamos sem responsabilidade (água, energia, combustíveis) demanda a produção de novos recursos. Em escala, nosso estilo de vida impacta, de forma definitiva, os recursos do planeta e, por isto, não podemos negar nossa participação na produção desses impactos.
Não há como deixar de questionar a sustentabilidade do modelo de vida que adotamos e verificarmos o quanto contribuímos, com nossas escolhas, para a degradação do ambiente em que vivemos.
A consciência sobre as nossas atividades se reflete em responsabilidade em relação às consequências de nossas ações. Este é um princípio que determina a maior ou menor liberdade do espírito, como ser inteligente da Criação. Portanto, a nossa compreensão sobre os impactos que geramos implica a nossa  responsabilidade em relação ao planeta. Não podemos ser indiferentes em relação às nossas próprias escolhas. Aproveitemos cada oportunidade para escolhermos melhor e, na dúvida, optemos sempre pela vida.


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