Glaucia Savin
A LEI DE SOCIEDADE
Não existe moral na solidão.
O isolamento brutaliza as pessoas e as tornam
insensíveis aos outros. Aprendi isto quando ainda era estudante de direito e
fui fazer um estágio na penitenciária do Estado (para o desespero de minha mãe).
Ao me interessar pela estrutura
penitenciária, acabei aprendendo que os presos desenvolviam um código social
próprio e que a ausência de compromisso com os outros gerava a brutalização do
comportamento desses indivíduos, que perdiam até mesmo hábitos já consolidados
como, por exemplo, o uso de talher para comer. Como o único utensílio permitido
era a colher, não era raro ver indivíduos comendo com as mãos.
Essa situação chamou a minha atenção,
porque, pensava eu, se a finalidade da pena era a de ressocializar o indivíduo,
um sistema que o distancia de convívios sadios e de hábitos sociais,
dificilmente vai atingir seu objetivo.
Mas o que fazer com o indivíduo que
transgride as regras da sociedade em que vive? Confesso que, mesmo tendo
voltado as minhas atenções para outra área do direito, esta questão nunca me
abandonou e faz parte das minhas reflexões.
Hoje, ao escrever este texto, não posso deixar
de me lembrar dessa impressão tão vívida e da certeza que adquiri de que nos desenvolvemos
quando compartilhamos nosso caminho com pessoas melhores do que nós. Talvez,
até mesmo, por sermos orgulhosos e porque não gostamos de nos sentir piores em
relação aos outros.
Além disto, somos seres gregários e
gostamos de nos identificar com o grupo ao qual pertencemos. A convivência,
portanto, nos modifica e acentua as nossas qualidades e, se deixarmos, as
nossas imperfeições também.
Mas por que viver em sociedade é
importante para nós?
Exatamente porque o nosso desenvolvimento
requer aprendizado. E, convenhamos, é muito mais fácil e rápido aprender com
alguém do que termos que descobrir tudo sozinhos.
Não é à toa que a Lei de Sociedade se
relaciona, de maneira intrínseca, com a Lei de Progresso.
A sociedade evolui mais acentuadamente na
medida em que seus membros atuam de forma mais coesa e solidária. Nenhuma
corporação, instituição, ou mesmo, um time de futebol, consegue êxito se cada
um só trabalhar em prol de seus próprios interesses, sem colaborar e compartilhar
suas descobertas e conquistas com os demais integrantes da equipe.
O desenvolvimento nos compele a
compartilhar e, para isto, temos que olhar para o outro. Temos que descobrir a
importância de alguém, além de nós mesmos. E isto, nos confere aquilo que
podemos chamar de senso de alteridade.
A descoberta do outro nos auxilia a
compreender melhor quem somos nós. E, com isto, vamos notando diferenças,
hábitos, gostos e comportamentos que nos agradam ou não e, a partir disto,
moldamos os nossos valores.
Percebemos que há, sim, pessoas diferentes
de nós e aprendemos a nutrir sentimentos por elas. Sofremos, amamos, nos
preocupamos e nos alegramos por outros.
Esse convívio nos afasta da solidão, que se
manifesta quando indivíduo vive voltado exclusivamente para dentro de si, construindo em seu pequeno
ego uma fortaleza particular.
Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, condena o isolamento, por considerar que é
um ato de egoísmo. E é mesmo. Mas, além disto, o isolamento é um ato de
desperdício porque a humanidade é muito rica, e aquele que se priva do contato
com outras pessoas (porque vai dar trabalho, porque vai ter que saber o que
falar, porque vai ter que ouvir outras histórias, porque vai ter que contar a
sua vida...) acaba perdendo a parte mais bacana da vida: a incrível descoberta
das diferenças. Aquele que deixa de ouvir uma história perde a narrativa de
outras paisagens, outras perspectivas e, às vezes, até um amigo.
A convivência, além de nos ensinar a comer
com garfo e faca, nos faz lidar melhor com as outras pessoas e, com isto,
acabamos nos identificando com alguém aqui, com outro comportamento acolá. Com tudo
que aprendemos, vamos, pouco a pouco, definindo melhor quem somos.
É isto. Definimo-nos a partir do outro e é
por isto, por sermos tão próximos e tão parecidos, apesar das diferenças, é que
conseguimos sentir piedade, misericórdia e amor. Esse princípio, chamado de
interdependência, está presente na psicologia, nos estudos da linguagem, na
sociologia e na antropologia. O desenvolvimento humano não pode prescindir da
interação entre os indivíduos.
Isto equivale dizer que sem o outro não
podemos nos afirmar como humanos.
A sociedade nos ensina que o nosso “eu” está
no outro, tanto quanto o “outro” está em nós. É isto que nos torna incrivelmente
humanos; é isto nos faz indissociavelmente irmãos.
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