ed.21-Matéria Doutrinária

Glaucia Savin

A LEI DE SOCIEDADE


Não existe moral na solidão.
O isolamento brutaliza as pessoas e as tornam insensíveis aos outros. Aprendi isto quando ainda era estudante de direito e fui fazer um estágio na penitenciária do Estado (para o desespero de minha mãe).
Ao me interessar pela estrutura penitenciária, acabei aprendendo que os presos desenvolviam um código social próprio e que a ausência de compromisso com os outros gerava a brutalização do comportamento desses indivíduos, que perdiam até mesmo hábitos já consolidados como, por exemplo, o uso de talher para comer. Como o único utensílio permitido era a colher, não era raro ver indivíduos comendo com as mãos.
Essa situação chamou a minha atenção, porque, pensava eu, se a finalidade da pena era a de ressocializar o indivíduo, um sistema que o distancia de convívios sadios e de hábitos sociais, dificilmente vai atingir seu objetivo.
Mas o que fazer com o indivíduo que transgride as regras da sociedade em que vive? Confesso que, mesmo tendo voltado as minhas atenções para outra área do direito, esta questão nunca me abandonou e faz parte das minhas reflexões.
Hoje, ao escrever este texto, não posso deixar de me lembrar dessa impressão tão vívida e da certeza que adquiri de que nos desenvolvemos quando compartilhamos nosso caminho com pessoas melhores do que nós. Talvez, até mesmo, por sermos orgulhosos e porque não gostamos de nos sentir piores em relação aos outros.
Além disto, somos seres gregários e gostamos de nos identificar com o grupo ao qual pertencemos. A convivência, portanto, nos modifica e acentua as nossas qualidades e, se deixarmos, as nossas imperfeições também.
Mas por que viver em sociedade é importante para nós?
Exatamente porque o nosso desenvolvimento requer aprendizado. E, convenhamos, é muito mais fácil e rápido aprender com alguém do que termos que descobrir tudo sozinhos.
Não é à toa que a Lei de Sociedade se relaciona, de maneira intrínseca, com a Lei de Progresso.
A sociedade evolui mais acentuadamente na medida em que seus membros atuam de forma mais coesa e solidária. Nenhuma corporação, instituição, ou mesmo, um time de futebol, consegue êxito se cada um só trabalhar em prol de seus próprios interesses, sem colaborar e compartilhar suas descobertas e conquistas com os demais integrantes da equipe.
O desenvolvimento nos compele a compartilhar e, para isto, temos que olhar para o outro. Temos que descobrir a importância de alguém, além de nós mesmos. E isto, nos confere aquilo que podemos chamar de senso de alteridade.
A descoberta do outro nos auxilia a compreender melhor quem somos nós. E, com isto, vamos notando diferenças, hábitos, gostos e comportamentos que nos agradam ou não e, a partir disto, moldamos os nossos valores.
Percebemos que há, sim, pessoas diferentes de nós e aprendemos a nutrir sentimentos por elas. Sofremos, amamos, nos preocupamos e nos alegramos por outros.
Esse convívio nos afasta da solidão, que se manifesta quando indivíduo vive voltado exclusivamente  para dentro de si, construindo em seu pequeno ego uma fortaleza particular.
Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, condena o isolamento, por considerar que é um ato de egoísmo. E é mesmo. Mas, além disto, o isolamento é um ato de desperdício porque a humanidade é muito rica, e aquele que se priva do contato com outras pessoas (porque vai dar trabalho, porque vai ter que saber o que falar, porque vai ter que ouvir outras histórias, porque vai ter que contar a sua vida...) acaba perdendo a parte mais bacana da vida: a incrível descoberta das diferenças. Aquele que deixa de ouvir uma história perde a narrativa de outras paisagens, outras perspectivas e, às vezes, até um amigo.
A convivência, além de nos ensinar a comer com garfo e faca, nos faz lidar melhor com as outras pessoas e, com isto, acabamos nos identificando com alguém aqui, com outro comportamento acolá. Com tudo que aprendemos, vamos, pouco a pouco, definindo melhor quem somos.
É isto. Definimo-nos a partir do outro e é por isto, por sermos tão próximos e tão parecidos, apesar das diferenças, é que conseguimos sentir piedade, misericórdia e amor. Esse princípio, chamado de interdependência, está presente na psicologia, nos estudos da linguagem, na sociologia e na antropologia. O desenvolvimento humano não pode prescindir da interação entre os indivíduos.
Isto equivale dizer que sem o outro não podemos nos afirmar como humanos.
A sociedade nos ensina que o nosso “eu” está no outro, tanto quanto o “outro” está em nós. É isto que nos torna incrivelmente humanos; é isto nos faz indissociavelmente irmãos.

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