Ed. 19–Matéria Doutrinária

por André Steagall Gertsenchtein

DBU2013

O trabalho e o espiritismo

Visão espírita do trabalho

Nossa sociedade aprendeu, desde cedo, a relacionar o trabalho com a acumulação de bens materiais (em contraposição à espiritualização). Alguns relacionam ainda trabalho com exploração alheia e até com escravidão.

Mas.... será o trabalho incompatível com nossa espiritualização?

Não é assim que a doutrina espírita pensa.

Os espíritos que orientaram Kardec ensinaram que "Todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal..." (L.E. questão 133). Assim, viver - e trabalhar - é parte essencial deste processo de instrução e através do trabalho também nos espiritualizamos.

Além disso, trabalho não se limita ao aspecto material. Segundo o L.E. (questão 675): "... o Espírito também trabalha, como o corpo. Toda ocupação útil é trabalho."

Trabalho x contemplação

Muitas religiões tradicionais pregam o isolamento como forma de fugir aos problemas do mundo e de buscar aproximação com Deus. A doutrina espírita pensa justamente o contrário: é preciso interagirmos com o mundo para que possamos aprender e também ensinar. É por isso que encarnamos, e é por isso que vivemos em sociedade. (a esse respeito leia no Livro dos Espíritos as questões 766 a 772, relativas à "Lei de Sociedade"). A contemplação (fuga da convivência em sociedade em busca de espiritualização) é, na verdade, uma forma de egoísmo.

Excessos do trabalho

Assim como a alimentação é uma necessidade natural, ligada à nossa preservação, mas seu excesso traz obesidade e doenças, também o trabalho deve encontrar limite no bom senso. É preciso repousar (somos os fiéis depositários dos nossos corpos, que nada mais são que instrumentos de trabalho dos quais temos que cuidar) e também saber limitar o trabalho às nossas forças (L.E. questão 683). O desrespeito a estes limites, por conta de ambição, por exemplo, pode resultar em desgaste prematuro do corpo físico, doença e, consequentemente, suicídio involuntário.

Trabalho forçado

Quando cabe a alguém dirigir o trabalho de outros, os excessos que comete são, segundo os espíritos, "... uma das piores ações. Todo homem que tem o poder de dirigir é responsável pelo excesso de trabalho que impõe aos seus inferiores, porque transgride a Lei de Deus". Aqueles que frequentam trabalhos mediúnicos de auxílio aos desencarnados se deparam com muita frequência com casos de espíritos que nutrem profundo ódio dos seus antigos "chefes" ou mesmo "senhores", nos casos de escravidão.

O trabalho na natureza

Será o homem o único a trabalhar? E os demais seres da criação? Aparentemente a natureza provê tudo de que precisam... Segundo o Espírito de Verdade, "Tudo trabalha na Natureza. Os animais trabalham, como tu(1), mas o seu trabalho, como a sua inteligência, é limitado aos cuidados da conservação..."

Espíritos evoluídos x trabalho

Outro mito bastante divulgado pelas religiões tradicionais é o de que ao atingir certo nível de evolução, os espíritos seriam encaminhados a locais de descanso eterno, livres da obrigação de trabalhar. Segundo a doutrina espírita, entretanto, "... A natureza do trabalho é relativa à natureza das necessidades; quanto menos necessidades materiais, menos material é o trabalho." Os espíritos evoluídos trabalham e bastante, mas trata-se de trabalho de outra natureza. A esse respeito vale a pena ler na obra de André Luiz sobre quão intenso pode ser este trabalho dos espíritos mais esclarecidos em benefício dos menos esclarecidos, por exemplo.

Conclusão

É preciso entender a Lei do Trabalho como parte indissociável das chamadas "Leis Morais". Apesar de importante instrumento de evolução, o trabalho sem o amparo moral pode se transformar rapidamente em instrumento de injustiça e desequilíbrio.

Kardec pondera, em Obras Póstumas, a respeito do lema da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade): a liberdade sem fraternidade resulta na opressão do mais fraco pelo mais forte, igualdade sem fraternidade fracassa ao tentar fazer de todos iguais em responsabilidade e conhecimento - pois em relação a estes atributos não somos iguais, somos únicos. A fraternidade, entretanto, permite que se pratique tanto a liberdade quanto a igualdade dentro de princípios justos e é o valor essencial para que o conjunto reflita a harmonia que se espera dele.

Assim também é o trabalho, que acompanhado desta visão fraterna pregada pela doutrina espírita, torna-se instrumento indispensável de caridade e de crescimento.


(1) A resposta é dirigida a Kardec, que havia perguntado "Por que a Natureza provê, por si mesma, a todas as necessidades dos animais?" (L.E., questão 677)

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